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A marca que criou um império ilegal de comércio de “bombas” nas redes

Empresa de esteroides clandestinos usa Instagram, TikTok e YouTube para promover hormônios ilegais a fisiculturistas amadores; operação de marketing digital da marca pode ser a maior do segmento no país 

A marca que criou um império ilegal de comércio de “bombas” nas redes
Arte: Rodolfo Almeida
Esta reportagem foi produzida em parceria com o podcast Ciência Suja, com apoio do Pulitzer Center.

Uma marca brasileira de anabolizantes clandestinos, a Redshark, usa anúncios nas redes da Meta e perfis em redes como TikTok, YouTube e Instagram para impulsionar promoções de hormônios ao estilo de “pague 3, leve 4” e promover o uso de esteroides ilegais. 

O objetivo é vender “bomba” para praticantes de musculação e fisiculturistas amadores. O comércio de hormônios sem receita é proibido no Brasil e sua prescrição médica para fins estéticos ou esportivos é vedada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). 

Mas, apenas nas redes sociais de Mark Zuckerberg, a Redshark tinha por volta de 266 anúncios ativos no Facebook e Instagram em 25.abr.2025, segundo números coletados pelo Núcleo na própria Biblioteca de Anúncios da Meta.

A Meta não respondeu aos e-mails enviados à sua assessoria de imprensa.


É importante porque...

Uso abusivo de anabolizantes está associado a doenças cardiovasculares, hepáticas, renais e psiquiátricas

Operação de marketing digital da marca pode ser a maior do país do segmento de esteroides clandestinos

Google, TikTok e YouTube derrubaram contas da Redshark após contato do Núcleo


A operação de marketing digital da Redshark pode ser a maior do país no segmento, sugere um segundo levantamento da reportagem. Coletamos cerca de 1240 anúncios das redes da Meta por meio de palavras-chave ligadas ao uso de hormônios, como “anabolizantes”, “paradinhas”, “maromba” ou nomes de esteroides. 

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O uso abusivo de anabolizantes está associado a doenças cardiovasculares, hepáticas, renais e psiquiátricas, incluindo infartos, risco de dependência e morte súbita.

Destes, apenas 51 eram publis de bomba – de 12 anunciantes diferentes, nenhum com a escala da Redshark. A promoção desse tipo de propaganda viola as políticas de propaganda para medicamentos e produtos farmacêuticos da Meta, mas a permanência de anúncios de esteroides clandestinos indicam que a plataforma tem dificuldade para fazer valer suas próprias regras. A marca não está cadastrada junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Táticas de “contingência” 

O  “sucesso” da Redshark nas publis está ligado a táticas que driblam a moderação de anúncios das plataformas e deixam a operação de marketing digital da marca resiliente a bloqueios. 

Só no Instagram, por exemplo, a Redshark usa pelo menos três contas de propaganda, separadas de seu “perfil oficial”, para impulsionar os anúncios. São elas: @redsharkUS1, @redsharkUS2 e @redsharkUS3. Com isso, se uma delas ou o perfil principal caírem, é possível seguir rodando anúncios e captando clientes. 

Entre especialistas em tráfego pago nas redes, esse tipo de estratégia é chamada de “contingência” e é aplicada por quem lucra em nichos que costumam violar leis ou os padrões de publicidade da Meta, como casas de apostas ilegais ou suplementos alimentares com apelos milagrosos.

Anúncios da Redshark linkam para “chatbot” que coleta e-mail e número de WhatsApp de potenciais clientes. A página elogia quem tiver interesse em “blast and cruise”, um dos modos mais arriscados de se consumir anabolizantes. Nesta modalidade, usuários tomam esteroides de modo ininterrupto por longos prazos, apenas variando a dose (Reprodução: chat.redshark.live/quiz)
Instagram e TikTok, o paraíso dos anabolizantes clandestinos
Plataformas toleram o comércio ilegal das chamadas “bombas”, exposto a milhões de seguidores

E-mail que bomba

Na prática, a maior parte dos anúncios identificados nas redes da Meta linkam para páginas que coletam e-mail e telefone de potenciais clientes. Com isso, a reportagem se cadastrou em uma dessas listas para verificar qual tipo de e-mail a Redshark dispararia.

“Tem peito pra trembo ou não?”, diz o título de uma das mensagens disparadas. “Trembo” é o apelido para a trembolona, um anabolizante de uso veterinário que serve para crescer gado. Seu uso não é aprovado em seres humanos, mas a droga é muito popular entre fisiculturistas.

Outro dos e-mails pergunta “você tá treinando pesado, dieta tá na régua, e o shape já tá vindo? Se a resposta é sim, então talvez seja hora de entrar com Masteron”. Masteron é um anabolizante cuja molécula, o propionato de drostanolona, jamais foi vendido comercialmente no país, ou seja, nunca teve registro junto à Anvisa – ou seja, também tem a venda proibida.

PLANO DE CARREIRA

Além disso, algumas das publis na Meta identificadas pelo Núcleo também direcionam usuários diretamente a “vendedores” que usam o WhatsApp para fechar o negócio. 

Por lá, os interessados têm acesso às tabelas de preços e aos hormônios disponíveis para venda. Esses funcionários ganham R$ 2.500 de salário inicial, recebem bonificações por desempenho e têm até plano de carreira, segundo um anúncio de vaga para vendedor publicado pela própria Redshark.

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Anúncios da Redshark na Meta divulga promoção em que a cada três anabolizantes comprados, o usuário ganha um de graça. (Reprodução: Biblioteca de Anúncios da Meta)

Além das redes da Meta, a reportagem também identificou que a Redshark mantinha contas em outras redes sociais para impulsionar conteúdo que promovia anabolizantes, além de anúncios via Google. Eram mais de 113 mil seguidores no TikTok e 86 mil no YouTube.

Após o contato do Núcleo, TikTok e Youtube excluíram as contas da Redshark de suas plataformas. O Google também derrubou os três anúncios da empresa de esteroides de sua rede identificados pela reportagem. 

TikTok e YouTube derrubam perfis de anabolizantes ilegais após investigação do Núcleo
De todas plataformas contatadas, apenas Meta manteve perfis ilegais ativos

Leia a nota enviada pelo TikTok ao Núcleo

Nossas Diretrizes da Comunidade deixam claro que não permitimos a comercialização de produtos e serviços regulamentados, proibidos ou de alto risco. Esses conteúdos são removidos assim que identificados e também incentivamos toda nossa comunidade a denunciar caso veja algo que acredite violar nossas políticas.

  •  Os exemplos compartilhados foram analisados pelo nosso time de moderação e removidos da plataforma.
  • Entre outubro e dezembro de 2024, removemos mais de 153 milhões de vídeos por violarem nossas Diretrizes da Comunidade. Sendo que 28% das remoções foram feitas por violações às nossas políticas de produtos regulamentados e atividades comerciais.
  • A venda e a promoção de anabolizantes é proibida no TikTok. Porém, conteúdos educativos sobre os riscos desses produtos são permitidos.

Leia a nota enviada pelo Google ao Núcleo

Google Ads
Temos políticas claras sobre o que é possível anunciar no Google Ads e para usar a plataforma de anúncios é preciso estar de acordo com elas. Segundo a política de Saúde e Medicamentos, espera-se que os anúncios cumpram as leis aplicáveis e as normas da indústria, ou seja, não permitimos anúncios que promovam ou comercializem anabolizantes. Atuamos com revisão humana e IA para checagem dos conteúdos. Quando identificamos uma violação, agimos imediatamente. Somente em 2024, no Brasil, removemos mais de 200 milhões de anúncios violadores e suspendemos mais de 1 milhão de contas".

YouTube
“O YouTube é uma plataforma aberta de distribuição de vídeo na qual todos os conteúdos postados precisam seguir as Políticas e Diretrizes da Comunidade, que são as regras que definem o que pode ou não ser postado na plataforma. O YouTube conta com uma combinação de inteligência de máquina, revisores humanos e denúncias de usuários para identificar material suspeito. Quando um material que viola as regras é detectado, ele é removido imediatamente. O YouTube proíbe vídeos com venda de produtos ou serviços ilegais ou regulamentados que mostram como usar esteroides para propósitos recreativos, como fisiculturismo. Após uma análise cuidadosa, foi constatado que o conteúdo do canal violava essas regras e, por isso, foi encerrado.”

Como fizemos isso

Após uma breve pesquisa entre influencers de fisiculturismo, identificamos que muitos eram patrocinados pela Redshark. Com isso, ao buscar pela marca na biblioteca de anúncios da Meta, logo notamos que a marca mantinha uma escala de publicidade considerável para um produto proibido.

A partir daí, catalogamos esses anúncios na Meta, além de posts nas redes e e-mails enviados. Também interagimos com alguns desses materiais para entender para onde linkavam.

Em seguida, por meio de acesso a uma API da biblioteca de anúncios da Meta, coletamos mais de 1240 publis da plataforma usando as palavras-chave “Danones”, “solicite a tabela”, “maromba”, “testosterona”, “primobolan”, “oxandrolona”, “esteroide”, “anabolizante”, “tabela atualizada” e “paradinhas”.

A partir daí, analisamos esses 1240 anúncios para entender quantos eram de anabolizantes. Ao fim, apenas 51 eram, uma quantidade cinco vezes menor que a operação da Redshark.  

Reportagem Pedro Nakamura
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
Pedro Nakamura

Pedro Nakamura

Repórter do Núcleo. Já escreveu para Estadão, Intercept Brasil, Matinal, Veja Saúde e Zero Hora. Interessado em jornalismo investigativo com foco em ciência, saúde, meio ambiente e tecnologia.

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Alexandre Orrico

Alexandre Orrico

Editor-fundador do Núcleo Jornalismo. Foi também gerente de comunidades no Brasil do ICFJ de 2021 a 2023. Já passou pela editoria de tecnologia da Folha de S.Paulo e foi editor do BuzzFeed Brasil.

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