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Nova leva de browsers com IA chega em peso

Navegadores com inteligência artificial prometem substituir assistentes humanos, mas levantam questões sobre privacidade

Nova leva de browsers com IA chega em peso

No momento em que a Justiça estadunidense decide se o Google terá que se desfazer do seu navegador web, o Chrome, uma nova geração de rivais surge, trazendo como diferencial “assistentes” de inteligência artificial embutidos.

É bem provável que seja uma coincidência, mas não deixa de ser uma curiosa. Há vários asteriscos nessa história, a começar pelo fato dos novos rivais serem construídos em cima da base do Chrome, o Chromium. Deixarei esses asteriscos de lado, porém, porque a questão mais importante é se esses assistentes vieram para ficar.

Dia, da The Browser Company; Comet, da Perplexity; Edge, da Microsoft; e o próprio Chrome do Google. Ainda não anunciado, mas já no horizonte, está também o navegador da OpenAI.

Todos esses, novos ou recauchutados, trazem um “assistente”, ou uma IA generativa embutida. Além das coisas que um ChatGPT qualquer faz (responder perguntas e alucinar), os assistentes conseguem trabalhar com mais contexto e desempenhar ações diretamente nos sites. Por exemplo, analisar várias abas abertas ao mesmo tempo a fim de resumi-las ou mandar e-mails em seu nome pelo Gmail.

Muita gente já usa IAs generativas. Só no ChatGPT, da OpenAI, são 700 milhões de pessoas que usam o serviço pelo menos uma vez por semana. No Google, 450 milhões recorrem ao Gemini ao menos uma vez por mês. Parece que há demanda.

Eu ainda não tive a chance de usar qualquer desses navegadores “inteligentes”, por isso recorro às promessas das empresas e a relatos de terceiros.

A The Browser Company queimou uma grana de investidores para produzir este comercial mostrando casos de uso.

A jornalista estadunidense Joanna Stern, adepta do Comet, é só elogios. Em sua newsletter, disse que trocou uma assistente de carne e osso, que havia contratado no início do ano para ajudar na pesquisa do seu novo livro, pelo navegador da Perplexity:

Por exemplo, esta semana eu queria encontrar pessoas demitidas de empregos de atendimento ao cliente por causa da IA. Eu disse ao assistente do Comet para encontrar postagens no LinkedIn de pessoas falando sobre isso e, em seguida, elaborar uma nota para elas por mim. Em menos de um minuto, ele rastreou postagens e comentários, puxou alguns nomes e links e começou a redigir as mensagens. Elas estavam bem ali na barra lateral — prontas para eu revisar.

E os impactos?

Entendo o apelo e reconheço a potencial demanda. Ainda assim, duas preocupações não saem da minha cabeça.

A primeira é o impacto que navegadores web com IA terão na própria web. A IA se impõe entre visitante e site, fragilizando uma relação que já está capenga. Se sites forem reduzidos a insumo para IAs, qual a motivação para publicar um?

A resposta imediata de quem vive de SEO (otimização para buscadores) é mudar o direcionamento para “GEO” (otimização para IAs generativas). Pode até fazer sentido para um site comercial, que tenha por finalidade vender. Para sites informativos, jornais, blogs e pequenos projetos pessoais, “GEO” me parece inócuo.

A outra preocupação recai na confiança. O que garante que as pessoas que o Comet selecionou para as entrevistas da Joanna se encaixam no perfil? Ela revisou a seleção feita pelo assistente de IA? Se sim, isso levou menos tempo do que lhe tomaria fazer a pesquisa sozinha, sem assistência, ou pela sua ex-assistente humana?

Há, ainda, a necessidade de confiar (ou ignorar) nas IAs em si e as empresas por trás delas. A julgar pelo perfil e histórico desses fornecedores, talvez estejam pedindo muito.

Em abril deste ano, Aravind Srinivas, CEO da Perplexity, disse em um podcast que queria ter um navegador para:

[…] obter dados mesmo fora do app, para entendê-lo [o usuário] melhor. Porque alguns dos enunciados que as pessoas escrevem nessas IAs são puramente relacionados ao trabalho. Não tem nada pessoal. […] Quais coisas você está comprando; para quais hotéis está indo; quais restaurantes frequenta; no que você está gastando tempo navegando, nos diz muito mais sobre você.

Não para por aí:

Planejamos usar todo o contexto para construir um perfil de usuário melhor e, talvez… você sabe, no nosso feed de descoberta, poderíamos mostrar alguns anúncios lá.

Claro. Óbvio.

Ainda faço usos bem pontuais de IAs generativas, quase sempre pela interface do DuckDuckGo, que se propõe como descartável — nada do que “converso” com a IA fica registrado ou é usado para me perfilar, mostrar anúncios, treinar LLMs ou qualquer coisa parecida.

O que não significa que resistirei até o fim aos assistentes embutidos em navegadores. Em algum momento, dada a intensidade com que empresas do setor têm investido na tecnologia, é provável que algo do tipo apareça no meu navegador, em todos eles.

Experimentarei, talvez seja útil em alguma medida, mas não pretendo deixar a boa e velha web de lado, terreno exclusivo de IAs. Tem coisas que um robô não pode (ou não deveria) fazer por nós.

Rodrigo Ghedin

Rodrigo Ghedin

Comunicólogo e jornalista. Fundador e editor do Manual do Usuário, um blog sobre os impactos da tecnologia no nosso comportamento. Interesso-me por por tudo que nos faz humanos. Freelancer no Núcleo.

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