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IA em tudo, toda hora (que merda)

Empresas tentam empurrar chatbots como se fossem nossos companheiros, mas quem quer fazer amizade com um modelo de linguagem?

IA em tudo, toda hora (que merda)
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Raio-X é uma editoria de análise opinativa sobre tecnologia e internet.

Na terça-feira, 29 de abril, Mark Zuckerberg anunciou o lançamento do Meta AI, basicamente um concorrente de apps como ChatGPT, Gemini, Perplexity, Claude e outros aplicativos de inteligência artificial, nos quais é possível “conversar” com um bot. 

Para mim, o principal problema desse tipo de aplicação não é que há muitas delas (são centenas ou milhares), mas sim a forma como algumas empresas, como Meta, OpenAI e Google, “vendem” isso para nós. Esses chatbots são apresentados, principalmente, como um recurso de bate-papo, quase amizade, para conversar sobre a vida e trocar ideias sobre o Império Romano e produção artesanal de cerveja.

Essa abordagem corporativa mascara, seja por marketing ou por limitações técnicas, algo mais simples que esses apps realmente deveriam ser: apenas ferramentas – seja de produtividade, de programação, de busca online etc.

Mas promover uma ferramenta parece ter pouco valor para algumas empresas. A concorrência e o desespero para crescer a base de usuários são tão gritantes que o apelo de “companheiro de IA” tem sido alardeado como se fosse uma grande ideia para resolver sabe-se lá qual problema.

Talvez seja por isso que eu goste mais do Claude e da Perplexity, pois não vendem a pretensão de fazer amizade com um modelo de linguagem.

Não há nada inerentemente errado em usar essas ferramentas para conversar – exceto, talvez, pelo consumo excessivo de água e energia, o potencial de alucinação e possibilidade de viciar do usuário (só isso). Há, por exemplo, relatos de que apps como o ChatGPT podem ajudar pessoas autistas a se comunicar.

E esse é realmente o ponto: queremos que chatbots de IA simplesmente ajudem. Mas as empresas, embriagadas por seu próprio desenvolvimento tecnológico, continuam pressionando por mais.

Às vezes acho que fazem isso para que não percebamos que essas ferramentas, embora potencialmente úteis, são extremamente limitadas e que, se as enxergarmos como amigas, talvez possamos dar uma chance a elas como tal. Não é de se espantar que alguns dos melhores exemplos de uso de IA para o bem não são de chatbots.

Os sinais estão todos lá: a OpenAI precisou reverter uma atualização do ChatGPT porque a personalidade do bot estava “excessivamente lisonjeira ou agradável – muitas vezes descrita como sicofântica (que elogia demais)”. Isso veio após todo o fiasco da emulação do filme Her, quando a empresa lançou seu modal de voz e queria impressionar as pessoas com um bot charmoso.

Já a Meta foi acusada de tentar engambelar uma prova de qualidade de um novo modelo de IA, disponibilizando para testes uma versão mais amigável e lisonjeira, diferente daquela oferecida para os consumidores.

O Google, por sua vez, está trabalhando num app do Gemini para crianças abaixo de 13 anos. E não esqueçamos de quando a Microsoft lançou seu chatbot Sidney, que tentou fazer um jornalista largar a esposa para ficar com ela.

Tais exemplos, entre outros, só mostram a necessidade dessas empresas de que pessoas passem horas e mais horas conversando com chatbots, como se nossa sociabilidade dependesse disso. É por isso que toda barra de busca atualmente, pelo jeito, é um atalho para falar com IAs.

O ser humano, em geral, não quer ser amigo de bots (bem, talvez algumas pessoas queiram), precisamos que eles nos ajudem a encontrar informações ou a realizar tarefas, independentemente do motivo (curiosidade, trabalho, entretenimento etc.).

Eu não sou contra IA. Pelo contrário, uso bastante para coisas como programação e revisão gramatical, mas eu não fico perdendo tempo conversando com chatbots para além do que sinto que preciso. Afinal, esses são serviços digitais que emulam respostas humanas e precisam ser encarados com as ferramentas que são, e não como pessoas.

Vem daí minha irritação com quem usa ferramentas de IA para escrever mensagens pseudo-personalizadas para outras pessoas.

 

Outro dia estava lendo um bom texto do jornalista Rodrigo Ghedin, no Manual do Usuário, e me deparei com uma ideia que há tempos venho pensando, mas não havia conseguido articular com eficiência:

Quem quer ler algo que outra pessoa não quis escrever?

Mensagens de origem sintética só servem para banalizar algumas relações humanas que a gente precisa cultivar. Usar texto formulado por IA para se comunicar com outro ser humano apenas mostra que estamos cedendo aos casos de uso empurrados por empresas cujo único incentivo é monetizar nossa atenção.

Arte Rodolfo Almeida
Edição de Jade Drummond
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Uma versão desse texto foi publicada originalmente na newsletter Appetrecho na quarta-feira, 30.abr.2025
Sérgio Spagnuolo

Sérgio Spagnuolo

Jornalista e diretor do Núcleo. Em 2014, criou a agência de newstech Volt Data Lab. Foi Knight Fellow no ICFJ e diretor na Abraji, além de ter colaborado com vários veículos nacionais e internacionais

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