Em 13.ago.2024 foi iniciada uma conversa interna no Núcleo sobre abandonarmos completamente o X – simplesmente paramos de publicar por lá, deixar nosso perfil às moscas. O argumento era de que a qualidade da rede social havia caído muito nos últimos anos, especialmente como plataforma de distribuição e com transparência de dados.
Esse papo de sair já vinha de antes, mas dentro do Núcleo algumas pessoas ainda viam valor em continuar publicando. Finalmente, em uma reunião, decidimos por sair.
A data da saída: 2.set.2024. Criamos uma arte e um texto para anunciar a decisão, mas nesse meio tempo uma coisa inesperada aconteceu: o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu o acesso ao X no Brasil por conta de descumprimento de ordens judiciais.
Isso frustrou nosso anúncio, mas também serviu como um teste para vermos os efeitos desse bloqueio involuntário pra gente. O impacto foi mínimo.
Boa parte de nossa comunidade já havia saído de lá, e os algoritmos certamente não estavam configurados para favorecer links externos nem jornalismo. Há tempos o X/Twitter já não era uma grande referência para nós (leve em conta que somos um pequeno veículo independente).
Vamos convir logo de cara: o Twitter nunca foi um mar de rosas.
Desinformação, violência e discurso de ódio, polarização política, articulações antidemocráticas – tava tudo lá, misturado com algumas coisas boas que a plataforma proporcionava. Elon Musk comprou o inferno, sem dúvida.
Mas, independentemente de qualquer coisa naquela rede, ainda era um lugar de influência para o noticiário, para a política e para a cultura. O Twitter pautava o mundo. Sem exagero: de Donald Trump e Jair Bolsonaro a LeBron James e Chadwick Boseman, o assunto do momento começava frequentemente por ali.
Política e diplomacia eram literalmente executadas por meio dessa plataforma, a ponto de que no começo do mandato de Bolsonaro como presidente falava-se informalmente que o Twitter era o Diário Não-Oficial da União.
Com todos os seus defeitos, o Twitter era um lugar para compartilhar, discutir e viralizar notícias.
Se um ambiente é bom para notícias, ele é (teoricamente) bom para o jornalismo. E por anos o jornalismo se beneficiou do Twitter como um recurso, valendo-se não apenas de tweets virais e ferramentas como Moments e Tweetdeck, mas também como boa origem de tráfego que fluía para sites de notícia.
Para o jornalismo, o Twitter era antes de tudo uma boa plataforma de distribuição.
Mas desde que Musk assumiu o controle da rede social, em out.2022, as coisas claramente mudaram. Se por acaso você tiver estômago para ignorar o nazismo aberto e tolerado pela plataforma, os constantes golpes de criptomoeda, o excesso de anúncios e a inundação de selos azuis favorecidos pelo algoritmo, do ponto de vista puramente de distribuição o X/Twitter piorou muito.
Não vale mais a pena para uma publicação de notícias estar lá. Simplesmente todo mundo com quem eu converso diz que o tráfego vindo do X caiu brutalmente – e não é apenas minha percepção, muitos veículos no exterior tem relatado isso. Veículos de jornalismo que passaram anos construindo presença na rede social agora vêem seu investimento valer cada vez menos.
Veículos internacionais grandes como Guardian e NPR já pularam desse barco. No Brasil, vários outros independentes já abandonaram o X, incluindo a Agência Pública e o Projeto Colabora, por exemplo.
Tenho certeza de que o X/Twitter ainda tem algum valor pra algumas pessoas, qualquer que sejam seus espectros políticos e interesses. Muita gente de esquerda ainda está por lá, tentando torcer as últimas migalhas que a rede tem a oferecer.
Mas está cada vez mais claro de que não é mais um lugar para jornalismo.