Bom dia! Aqui é a Chloé Pinheiro, com a difícil missão de trazer insights sobre um tema complexo: o conflito de interesses no financiamento da divulgação científica. Sim, vamos falar do caso do Atila e da Shell, com direito a uma nota do convidado do professor Alexandre Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Atila e Shell
Então, né… O Atila Iamarino, baita divulgador científico, que fez um trabalho fundamental na pandemia, publicou na semana passada publis com a Shell, dizendo que o petróleo impulsiona vidas. Muita gente ficou chocada, já que a indústria petroleira é considerada uma das principais culpadas pelas mudanças climáticas, e a Shell em si tem um histórico longuíssimo de danos a pessoas e ao meio ambiente.
Mercadores da dúvida
O Climainfo fez uma analogia com passar pano para os danos do cigarro. A indústria do cigarro criou no século passado uma estratégia que foi aprimorada pelos negacionistas do clima. Um item essencial da cartilha é lavar a imagem usando a credibilidade dos cientistas. Isso tudo tá no livro Merchants of Doubt, da Naomi Oreskes (recomendo muito!). A internet só aumenta as possibilidades de fazer isso.
Financiamento
A notícia levantou uma discussão mais do que necessária sobre quem banca a produção de conteúdo online. Esse texto do divulgador Luiz Bento faz uma boa reflexão. Fica aqui uma aspas: “Precisamos sim discutir financiamento da divulgação científica na internet, mas tenho certeza que vender a imagem da pessoa física de um cientista para dar legitimidade a uma empresa como a Shell não é o caminho certo.”
Falando em interesses
Uma baita reportagem da Repórter Brasil apontou cientistas de confiança da Monsanto, fabricante de agrotóxicos, no país. Tem nomes das principais universidades do país, e o texto traz detalhes de como funciona essa relação viciosa. E eu já entrevistei um desses caras, sem saber disso!
* Tem gente tentando forçar uma volta do racismo científico.
* A origem interestelar do ar que respiramos.
* A Nasa enviou uma missão para Europa, uma lua de Júpiter que pode ter vida.
* Do alto de uma montanha amazônica, surge um simpático sapinho.
* A Anvisa proibiu a venda de implantes hormonais manipulados (vulgo BOMBA), gerando uma crise no mercado dos picaretas.
Nota do convidado
Grandes corporações querem manter a divulgação científica domesticada
Por Alexandre Araújo Costa, cientista do clima, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE), criador do projeto O que você faria se soubesse o que eu sei?
Ninguém entendeu melhor o dito "ipsa scientia potestas est" ("o conhecimento em si é poder") de Francis Bacon do que grupos econômicos na defesa dos seus interesses. Uma poderosa estratégia de desinformação foi desenvolvida pela indústria do tabaco e virou um manual de negacionismo profissional, mais tarde aperfeiçoado pela indústria de combustíveis fósseis ao impulsionar o negacionismo climático.
Hoje, como mostram tantas notícias, a existência da crise climática está fora de disputa. Daí, negar a existência do aquecimento global não interessa mais às petroquímicas. Elas precisam de um "negacionismo soft", que transmita a ideia de que os combustíveis fósseis ainda são e serão essenciais e que é possível "compensar" emissões.
Para dar credibilidade a essas ideias, saem cientistas manjados, famosos por suas groselhas, e entram novos personagens. E nada melhor do que cientistas ou divulgadores científicos, que gozem de prestígio fora das bolhas negacionistas, para dar um ar científico ao que é puro interesse lobista.
O público mais esclarecido, que acompanha figuras como Átila Iamarino, ainda não têm a total consciência de que nossa existência enquanto civilização depende de eliminarmos as emissões o mais rápido possível, deixando carvão, petróleo e gás no subsolo. Mas poderia vir a ter, se imprensa e influenciadores deixassem isso mais claro.
Antecipar-se, cooptando a divulgação científica, pareceu uma fina jogada de xadrez por parte da Shell. Pena que o mencionado divulgador, que gigante serviço prestou durante a pandemia, salvando vidas e sendo atacado pelo negacionismo, tenha sido usado, nesse tabuleiro, como um simples peão.
