Vou começar falando logo de cara: o vídeo do Felca sobre exploração sexual infantil nas redes sociais é bom e importante. Preciso tirar isso da frente antes de fazer meu argumento, porque não estou aqui pra falar mal do conteúdo dele.
Meu argumento, em vez disso, é pra falar sobre a dinâmica (ou falta de dinâmica) entre influência digital e jornalismo.
É muito comum, quando um influenciador faz um vídeo muito popular que toca em assuntos cobertos pela imprensa, que jornalistas se questionem: onde é que estamos errando? Por que nosso conteúdo, que passamos meses e gastamos milhares de reais apurando, possui tão menos visibilidade do que o vídeo de um influencer de 27 anos que nunca dedicou um minuto de sua vida ao jornalismo?
Será que jornalistas precisam deixar o jornalismo "menos chato" e mais autoral pra tentar surfar na onda influência online?
Essas questões, a meu ver, levam a lugares errados. Tirando o fato de que são ferramentas da comunicação, jornalismo e influência digital têm pouca coisa a ver uma com a outra.
O Felca faz o rolê dele, do jeito que ele quer, com a linguagem que ele quer. Ele não tem padrões jornalísticos pra seguir, ele não tem que ouvir o contraditório, checar fatos nem discutir pautas à exaustão. Ele não tem editores que vão ler e reler o roteiro dele nem checar suas afirmações. O processo dele não é jornalístico.
O vídeo dele "deu certo", com mais de 28 milhões de visualizações, por causa de um monte de fatores diferentes, longe do controle de veículos grandes ou pequenos, e envolve desde o assunto de interesse público e "do" público, passando por formato e linguagem até impulsionamento algorítmico (de bombar mais o que já está bombando).
Se fosse um vídeo desmonetizado sobre orçamento para educação dificilmente teria bombado assim – a curiosidade do assunto importa (um outro vídeo dele testando maquiagem tem mais de 20 milhões de views.)
Por conta de uma dramaticidade litúrgica das épocas de glamour e notoriedade da imprensa, muitas pessoas confundem a prática jornalística com "método" e "ética". Envolve isso, mas não é isso. Pra mim, jornalismo é uma mistura tautológica de "intencionalidade" e "processo" (a intenção de fazer jornalismo gera processo e o processo é motivado pela intenção de fazer jornalismo).
A intenção de Felca é denunciar esquemas de exploração, não de fazer jornalismo, e o processo dele é expor o máximo que ele puder, sem muito rigor (embora ele tenha tido a boa ideia de falar com uma psicóloga). Ele é um influencer, e confundir o que ele faz com jornalismo é reduzir tanto Felca quanto os jornalistas.
O jornalismo tem gente famosa, que alcança as massas. Pessoas amplamente reconhecidos no Brasil, como Mônica Bergamo, Renata Lo Prete, Andreia Sadi, entre outros(as), têm uma grande base e conseguem falar com muitas pessoas, mas são jornalistas antes de serem "influencers". A intenção é fazer jornalismo, mais do que produzir conteúdo.
Confesso que sinto um pouco de frustração quando escuto que o jornalismo precisa fazer o que influencers estão fazendo. Goste ou não, influenciadores possuem um papel ativo e cada vez mais importante na sociedade, enquanto jornalistas possuem outra função.
Enquanto um ganha seguidores para espalhar suas mensagens, outro trabalha para fornecer informações para que as pessoas possam se autogovernar (isso não sou eu que to falando, tá lá no excelente "Os Elementos do Jornalismo", um dos melhores livros que já li).
O jornalismo precisa se preocupar em chegar ao máximo de pessoas, claro, mas a partir do momento em que começar a se preocupar mais com pageviews do que em "intencionalidade" e "processo", tudo o que vão sobrar são influenciadores.