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O fim das redes sociais começou

A putrefação do X e a direção estratégica de outras plataformas indicam que as mídias sociais como as conhecemos estão em decadência, e o que sobrou são redes orientadas para criadores de conteúdo

O fim das redes sociais começou
Arte por Aleksandra Ramos

Até o X ser bloqueado, no fim de agosto deste ano, eu ainda tinha dificuldade em abandonar de vez o brinquedo de Elon Musk – parecia pra mim que deixar essa rede significaria perder anos de "trabalho". Depois que ela voltou ao ar, em outubro, eu percebi não me fez nenhuma falta, e comecei a questionar algo básico: por que diabos nós insistimos tanto tempo em redes sociais?

Esse detox compulsório me fez repensar o quanto estamos, como sociedade, viciados em métricas de engajamento, em discussões desnecessariamente polêmicas e em participar diariamente de um modelo de negócios que monetiza nossa indignação. Tudo isso enquanto limita o alcance de nossos posts em prol de puro suco de chorume.

As redes sociais tiveram uma importância gigantesca, pra melhor ou pra pior, em moldar a sociedade nos últimos 20 anos, incluindo a forma como consumimos notícias, nos engajamos uns com os outros e decidimos em que lado do debate político batemos o pé.

Se por um lado serviram para mostrar em tempo real a Primavera Árabe e organizar movimentos como Julho 2013, Black Lives Matter e Me Too, de outro ajudaram a criar uma leva de políticos influenciadores, que vivem meramente para postar e sentir a temperatura do clima nas redes, piorando consideravelmente a política em muitos países no mundo todo.

Mas, na minha opinião, o que as redes sociais mais afetaram na sociedade foi a forma como percebemos sucesso.

Pra muitos criadores de conteúdo (mas muitos mesmo), qualidade e impacto deixaram de ser os resultados principais, dando espaço para números de visualizações, engajamento e monetização de qualquer coisa.

O sucesso, de repente, é puramente galgado em volume, algo definido por design pelas próprias plataformas, transformando-as em colossos de alcance e desempenho financeiro.

Como jornalista, antes de começar a cobrir redes sociais e entender de perto as empresas por trás delas, eu achava que se algo não bombava nas redes sociais era porque ou a estratégia de divulgação estava errada ou o assunto não era tão interessante. Isso não é verdade.

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As coisas que bombam ou dão certo são uma amálgama de vários parâmetros impostos por redes sociais que as pessoas precisam cumprir para dar certo – coisas como constância de publicação, linguagem, nível de entretenimento e outros quesitos.

Esses parâmetros são, na verdade, amarras contra a qualidade.

Muitos criadores de conteúdo que antes eu admirava caíram no conto do vigário e passaram a ter que publicar cada vez mais conteúdo, o qual por sua vez tinha que cumprir os critérios das plataformas (nada de notícia, nada de vacina, muito espaço para cortes publicitários).

No Núcleo, tivemos incontáveis reuniões sobre como melhorar os números das nossas redes sociais. Como a grande maioria das plataformas penalizam links e jornalismo sério (isso é algo declarado, não tô inventando), a gente nunca teve números volumosos.

Nosso jornalismo já derrubou conteúdo de abuso infantil, promoção ilegal de vapes e bebidas, grupos de vendas ilegais de armas, entre outras coisas, mas o que a gente discutia como sucesso era "views no Reels". É lamentável que nós tenhamos entrado tão profundamente nesse jogo vendido e tenhamos, mesmo que brevemente, contestado o sucesso do nosso jornalismo.

O resultado disso é que as redes sociais viraram um espaço ruim para ficar. Não apenas é danoso e prejudicial ao jornalismo sério, como também é chato demais. Abrir TikTok ou Reels pra mim é uma experiência penosa, na qual eu vejo incontáveis cortes de programas de podcasts, conteúdos desnecessariamente violentos, meninas jovens promovendo seus perfis de OnlyFans e influenciadores mirins de investimentos falando que estudar é coisa de perdedor.

As redes sociais nunca foram um lugar sensacional de estar, sempre tiveram seus péssimos exemplos de humanidade. Mas ultimamente as grandes plataformas cada vez mais passaram a ser um playground de criadores de conteúdo obcecados em ganhar a vida com seus cortes, diminuindo valor que elas já tiveram para a sociedade. Estamos todos empapuçados, e nem redes novas e promissoras como o Bluesky vão nos fazer escapar disso.

Edição Jade Drummond
Tags: Linha Fina
Sérgio Spagnuolo

Sérgio Spagnuolo

Jornalista e diretor do Núcleo. Em 2014, criou a agência de newstech Volt Data Lab. Foi Knight Fellow no ICFJ e diretor na Abraji, além de ter colaborado com vários veículos nacionais e internacionais

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