Em 2003, a atriz Barbra Streisand processou um fotógrafo em US$50 milhões pela publicação de uma única foto aérea de sua mansão no litoral californiano, como parte de uma coleção com mais de 12 mil fotografias para documentar erosão nas encostas. O argumento era que a imagem violava sua privacidade e segurança (ela já foi perseguida por fanáticos antes).
O caso ganhou tanta notoriedade midiática que, em vez de a celebridade ter o que queria – a supressão da foto – presenciou um efeito exatamente oposto: a imagem passou a circular em uma escala muito maior do que a inicial.
O caso foi tão emblemático que deu nome para um fenômeno da internet que é atualmente conhecido como Efeito Streisand.
Pois é, nas últimas semanas aconteceu a mesmíssima coisa com a Meta.
A companhia tem tentado suprimir a publicação do livro Careless People (2025, ed. Macmillan), de sua ex-executiva Sarah Wynn-Williams, que traz histórias embaraçosas sobre sua cultura interna – entre elas a alegação de assédio sexual pelo chefe de assuntos globais (a empresa diz que uma sindicância interna absolveu o alto executivo em 2017).
O tiro saiu pela culatra, e a atitude da Meta foi a melhor coisa que poderia acontecer pra autora e para a editora.
Nesta sexta-feira (4.abr.2025), consta como o segundo mais vendido na categoria de não-ficção segundo o New York Times Best Sellers, tendo já ficado em primeiro lugar no ranking e sido o terceiro mais vendido da Amazon.
O mais curioso é que a Meta, mais especificamente por meio de seu CEO, Mark Zuckerberg, tem tentado se posicionar como um grande baluarte da liberdade de expressão, o que levou o bilionário, inclusive, a publicar um vídeo no começo de 2025 criticando o governo e a imprensa por "censura", além de anunciar o encerramento do programa de checagem de fatos nos EUA e novos relaxamentos de moderação de conteúdo.
Difícil acesso
Um dos principais fios do texto conta como Williams entrou na empresa acreditando que poderia ajudar o mundo ("Não acredito que tenho a oportunidade de trabalhar na maior ferramenta política do meu tempo") e saiu de lá em 2017, totalmente desiludida.
Uma parte interessante, e que nós aqui no Núcleo conhecemos muito bem, é como a Meta se orgulha de ser de difícil acesso a seus consumidores.
"[O Facebook como empresa] se orgulha de ser difícil de alcançar. Tem centenas de milhões de usuários e se certifica de que nenhum deles possa entrar em contato com sua pequena equipe com emails ou telefonemas", escreveu Williams no começo do segundo parágrafo.
Embaraços diplomáticos
Um momento embaraçoso no livro foi quando Zuckerberg disse para Williams, que é neozelandeza, não ter interesse em se encontrar com o primeiro-ministro da Nova Zelândia, provavelmente sem saber que o político estava literalmente na frente dele.
Outra gafe relatada no livro envolvendo chefes de Estado conta que Zuckerberg não leu seu briefing preparatório e chegou atrasado para um encontro com o presidente da Colômbia, resultando no encerramento abrupto de uma coletiva de imprensa conjunta dos dois sobre um projeto.
E tem o caso de quando os seguranças de Zuckerberg empurraram o presidente da Guatemala durante um evento no Panamá.
Macaco fora da jaula
A Meta diz que o livro é "uma mistura de alegações desatualizadas e relatadas anteriormente com falsas acusações sobre nossos executivos", e que "tomamos medidas legais imediatas devido à natureza falsa e difamatória das alegações".
Mas, pra todos os efeitos de contenção de danos, isso pouco importa agora, considerando que o macaco já saiu da jaula e a empresa, ao tentar suprimir o mesmo tipo de discurso que prega como algo sagrado em suas redes, perdeu a credibilidade sobre sua própria narrativa.
Algumas das denúncias apresentadas pela autora estão sendo investigadas pela Securities and Exchange Commission, regulador do mercado de capitais dos EUA, em busca de possíveis violações acerca de tentativas de entrar no mercado chinês há uma década. A Meta, inclusive, tenta impedir que a autora do livro se comunique com o Senado americano.
Via NewScientist, New York Times, Business Insider [1] [2], Brazil Journal, Vanity Fair
⚠️ Texto atualizado às 09h38 de 06.jan.2025 para corrigir o ano do processo de Barbra Streisand de 2023 para 2003, resultado de um erro de digitação.