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Geralzão sobre o processo da ANPD contra o TikTok sobre dados de crianças

Foco da investigação da ANPD é a falta de "dever de cuidado", explicou ao Núcleo Maria Mello, coordenadora de programas do Instituto Alana. Segundo órgão regulador, TikTok alega ter excluído mais de 7,7 milhões de perfis de crianças e adolescentes no Brasil em 12 meses.

Geralzão sobre o processo da ANPD contra o TikTok sobre dados de crianças
Arte por Rodolfo Almeida

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) instaurou um processo administrativo contra o TikTok, de acordo com anúncio feito em 4.out.2024.

O órgão regulador acusa a rede social de vídeos, controlada pela chinesa ByteDance, de violar o princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes ao coletar dados pessoais sem verificar adequadamente a idade dos usuários.

O Núcleo preparou um resumo com os principais pontos apresentados pela ANPD e pelo Instituto Alana, que está envolvido no processo desde o final de 2023 como amicus curiae – quando uma entidade ou pessoa que, sem ser parte direta do processo, oferece informações ou argumentos ao tribunal para auxiliar na decisão do caso.

Feed sem cadastro

O principal argumento da ANPD é que a função "feed sem cadastro" do TikTok – a qual permite a um usuário assistir a uma linha do tempo vídeos sem criar uma conta – não possui métodos de verificação de idade, permitindo que crianças e adolescentes contornem as proteções aplicadas a perfis de menores de 18 anos.

O processo foi também impulsionado por uma denúncia do deputado Filipe Barros (PL-PR) em 2021, mencionada na nota técnica da ANPD.

Foram, portanto, anos de coleta de denúncias e pesquisas antes da abertura formal do procedimento.

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É importante ressaltar que o TikTok não está sozinho. Outras redes, como YouTube Shorts e Kwai, que podem conter muitos conteúdos prejudiciais para crianças e adolescentes, também permitem o uso de feed sem cadastro.

Dever de cuidado

Maria Mello, coordenadora de programas do Instituto Alana, explicou ao Núcleo que boa parte do embasamento para a abertura do procedimento está relacionado ao “dever de cuidado” — um princípio que exige que pessoas e organizações tomem medidas razoáveis para evitar danos a terceiros.

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No Brasil, a legislação atual ainda não inclui explicitamente esse dever no contexto de plataformas digitais, ao contrário da regulação europeia Digital Services Act (DSA).

Para Mello, porém, essa visão do dever de cuidado representa um “grande avanço” e uma conquista importante no caso.

“Você tem coisas muito inéditas aí. Acho que é um passo importante, esse reconhecimento dos deveres que são mais exigíveis porque se trata de uma plataforma com grande impacto sobre crianças e adolescentes.”
– Maria Mello, do Instituto Alana

Ela também explicou que a petição do Alana — que cita três reportagens do Núcleo — foca na exploração comercial de crianças e adolescentes. “Nesse primeiro documento, reconhecemos que a plataforma explora comercialmente crianças e adolescentes, e se beneficia economicamente, sem a devida garantia do dever de cuidado,” afirmou.

Além disso, Mello destacou o "duplo padrão" adotado por plataformas digitais entre Norte e Sul Global: “Descobrimos que esse feed só existia no Brasil, não em outros países.”

Posição da ByteDance

Segundo nota técnica da ANPD, a ByteDance afirmou ter removido cerca de 7,75 milhões de contas de menores de 13 anos no Brasil entre outubro de 2022 e setembro de 2023, mas apresentou apenas uma tabela mensal com os dados.

As diretrizes da rede social apenas permitem o uso por maiores de 13 anos, com autorização dos responsáveis, embora esse consentimento seja feito apenas via clique em um botão.

Além disso, a ByteDance questionou os dados da TIC Kids, pesquisa do Cetic.br, que mais recentemente revelou que 41% das crianças de 11 a 12 anos e 34% das de 9 a 10 anos utilizam a plataforma no Brasil. A empresa sugeriu que a formulação das perguntas pode ter inflado esses números.

No entanto, como indica a nota técnica, a ANPD não concordou com os argumentos, destacando que a ByteDance ignora a possibilidade de crianças acessarem o aplicativo por meio do "feed sem cadastro", tornando as diferenciações apresentadas irrelevantes no contexto da pesquisa.

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Obstrução

Em seu parecer, a ANPD também apontou que a ByteDance “possivelmente obstruiu a fiscalização ao não prestar informações”, fornecendo apenas respostas genéricas ou incompletas.

A autarquia, no entanto, apontou que embora suas contribuições fundamentem o processo de fiscalização, as opiniões de amicus curiae são “de sua responsabilidade, não implicando, necessariamente, a concordância ou incorporação integral” pela autoridade.

O que acontece agora

Os resultados da investigação da ANPD podem ser divulgados em breve ou demorar mais, conforme o andamento do processo. A ANPD informou que vai apurar três pontos principais:

Em um caso recente envolvendo a Meta, acusada de expor dados de crianças e adolescentes para treinar IA no Instagram, a decisão foi tomada rapidamente, e o processo foi concluído em poucos meses.

Embora o processo de investigação possa levar tempo, a ANPD já determinou a desativação da opção de "feed sem cadastro" em 10 dias úteis.

Além disso, o TikTok deverá apresentar, em até 20 dias úteis (até 24.nov.2024), um plano de conformidade para aprimorar os mecanismos de verificação de idade. Segundo as exigências, esse plano deve:

Sociedade civil

"O interesse comercial de empresas não pode vir antes da proteção absoluta de crianças e adolescentes", disse o Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec), em posicionamento enviado ao Núcleo.

O instituto defendeu também o avanço de projetos de lei como o PL 2628/22 – que atualmente está na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, aguardando posicionamento da relatoria, o senador Flávio Arns (PSB-PR), desde fev.2024.

Leia todo o posicionamento do Idec

Plataformas que dizem não admitir a participação de crianças, na realidade, são conhecidamente utilizadas por elas. Sabe-se que 86% das crianças e adolescentes conectados usam redes sociais (TIC Kids Online 2022) e o TikTok é o aplicativo mais popular nessa idade, ainda que sejam crescentes as preocupações sobre privacidade, inadequação de conteúdos a determinadas idades, desinformação, saúde mental e vício nessas plataformas.

O Idec entende ser acertada a decisão da ANPD de tornar o processo sancionador e em priorizar o tratamento de dados de crianças e adolescentes em sua minuta de Agenda Regulatória 2025-2026 e em enrijecer medidas protetivas a essa população, efetivando o princípio da proteção de seu melhor interesse. Concretamente, esperamos que o TikTok cumpra as medidas sem maximizar o tratamento de dados desnecessários e, caso contrário, que haja uma multa proporcional às violações aos direitos das crianças e adolescentes.

O interesse comercial de empresas não pode vir antes da proteção absoluta de crianças e adolescentes. O Idec espera uma proteção robustecida a esse público, seja: por mecanismos semelhantes sendo espontaneamente adotados por outras plataformas; por decisões da Autoridade abrangendo outras plataformas; ou pelo avanço de importantes projetos de lei (PLs) voltados a crianças e adolescentes no ambiente digital, como o PL nº 2.628/2022.

Principais documentos

Reportagem e gráficos Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo
Sofia Schurig

Sofia Schurig

Repórter com experiência na cobertura de direitos humanos, segurança de menores e extremismo online. É também pesquisadora na SaferNet Brasil e fellow do Pulitzer Center.

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