A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) instaurou um processo administrativo contra o TikTok, de acordo com anúncio feito em 4.out.2024.
O órgão regulador acusa a rede social de vídeos, controlada pela chinesa ByteDance, de violar o princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes ao coletar dados pessoais sem verificar adequadamente a idade dos usuários.
O Núcleo preparou um resumo com os principais pontos apresentados pela ANPD e pelo Instituto Alana, que está envolvido no processo desde o final de 2023 como amicus curiae – quando uma entidade ou pessoa que, sem ser parte direta do processo, oferece informações ou argumentos ao tribunal para auxiliar na decisão do caso.
Feed sem cadastro
O principal argumento da ANPD é que a função "feed sem cadastro" do TikTok – a qual permite a um usuário assistir a uma linha do tempo vídeos sem criar uma conta – não possui métodos de verificação de idade, permitindo que crianças e adolescentes contornem as proteções aplicadas a perfis de menores de 18 anos.
O processo foi também impulsionado por uma denúncia do deputado Filipe Barros (PL-PR) em 2021, mencionada na nota técnica da ANPD.
Foram, portanto, anos de coleta de denúncias e pesquisas antes da abertura formal do procedimento.
Dever de cuidado
Maria Mello, coordenadora de programas do Instituto Alana, explicou ao Núcleo que boa parte do embasamento para a abertura do procedimento está relacionado ao “dever de cuidado” — um princípio que exige que pessoas e organizações tomem medidas razoáveis para evitar danos a terceiros.
Para Mello, porém, essa visão do dever de cuidado representa um “grande avanço” e uma conquista importante no caso.
“Você tem coisas muito inéditas aí. Acho que é um passo importante, esse reconhecimento dos deveres que são mais exigíveis porque se trata de uma plataforma com grande impacto sobre crianças e adolescentes.”
– Maria Mello, do Instituto Alana
Ela também explicou que a petição do Alana — que cita três reportagens do Núcleo — foca na exploração comercial de crianças e adolescentes. “Nesse primeiro documento, reconhecemos que a plataforma explora comercialmente crianças e adolescentes, e se beneficia economicamente, sem a devida garantia do dever de cuidado,” afirmou.
Além disso, Mello destacou o "duplo padrão" adotado por plataformas digitais entre Norte e Sul Global: “Descobrimos que esse feed só existia no Brasil, não em outros países.”
Posição da ByteDance
Segundo nota técnica da ANPD, a ByteDance afirmou ter removido cerca de 7,75 milhões de contas de menores de 13 anos no Brasil entre outubro de 2022 e setembro de 2023, mas apresentou apenas uma tabela mensal com os dados.
As diretrizes da rede social apenas permitem o uso por maiores de 13 anos, com autorização dos responsáveis, embora esse consentimento seja feito apenas via clique em um botão.
Além disso, a ByteDance questionou os dados da TIC Kids, pesquisa do Cetic.br, que mais recentemente revelou que 41% das crianças de 11 a 12 anos e 34% das de 9 a 10 anos utilizam a plataforma no Brasil. A empresa sugeriu que a formulação das perguntas pode ter inflado esses números.
No entanto, como indica a nota técnica, a ANPD não concordou com os argumentos, destacando que a ByteDance ignora a possibilidade de crianças acessarem o aplicativo por meio do "feed sem cadastro", tornando as diferenciações apresentadas irrelevantes no contexto da pesquisa.
Obstrução
Em seu parecer, a ANPD também apontou que a ByteDance “possivelmente obstruiu a fiscalização ao não prestar informações”, fornecendo apenas respostas genéricas ou incompletas.
A autarquia, no entanto, apontou que embora suas contribuições fundamentem o processo de fiscalização, as opiniões de amicus curiae são “de sua responsabilidade, não implicando, necessariamente, a concordância ou incorporação integral” pela autoridade.
O que acontece agora
Os resultados da investigação da ANPD podem ser divulgados em breve ou demorar mais, conforme o andamento do processo. A ANPD informou que vai apurar três pontos principais:
- Coleta de dados de crianças e adolescentes sem verificação de idade no "feed sem cadastro": a análise examinará indícios de coleta inadequada de dados pessoais, sem base legal válida e desconsiderando o princípio do melhor interesse.
- Tratamento de dados de menores cadastrados na rede social: a investigação avaliará a fragilidade dos mecanismos de verificação de idade, que parecem insuficientes para garantir conformidade legal e proteger crianças.
- Personalização de conteúdo no "feed sem cadastro": o tratamento de dados para personalizar conteúdo será analisado quanto à sua base legal, que o TikTok justifica como execução de contrato.
Em um caso recente envolvendo a Meta, acusada de expor dados de crianças e adolescentes para treinar IA no Instagram, a decisão foi tomada rapidamente, e o processo foi concluído em poucos meses.
Embora o processo de investigação possa levar tempo, a ANPD já determinou a desativação da opção de "feed sem cadastro" em 10 dias úteis.
Além disso, o TikTok deverá apresentar, em até 20 dias úteis (até 24.nov.2024), um plano de conformidade para aprimorar os mecanismos de verificação de idade. Segundo as exigências, esse plano deve:
- Incluir tecnologias que vão além da simples remoção de contas, comprovando a prevenção do acesso inadequado de crianças à plataforma, consoante o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
- Abranger, no mínimo, os seguintes elementos: objeto, prazos, ações previstas para reverter a situação identificada, critérios de acompanhamento e a trajetória para alcançar os resultados esperados, conforme estabelecido o Regulamento de Fiscalização da ANPD.
Sociedade civil
"O interesse comercial de empresas não pode vir antes da proteção absoluta de crianças e adolescentes", disse o Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec), em posicionamento enviado ao Núcleo.
O instituto defendeu também o avanço de projetos de lei como o PL 2628/22 – que atualmente está na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, aguardando posicionamento da relatoria, o senador Flávio Arns (PSB-PR), desde fev.2024.
Leia todo o posicionamento do Idec
Plataformas que dizem não admitir a participação de crianças, na realidade, são conhecidamente utilizadas por elas. Sabe-se que 86% das crianças e adolescentes conectados usam redes sociais (TIC Kids Online 2022) e o TikTok é o aplicativo mais popular nessa idade, ainda que sejam crescentes as preocupações sobre privacidade, inadequação de conteúdos a determinadas idades, desinformação, saúde mental e vício nessas plataformas.
O Idec entende ser acertada a decisão da ANPD de tornar o processo sancionador e em priorizar o tratamento de dados de crianças e adolescentes em sua minuta de Agenda Regulatória 2025-2026 e em enrijecer medidas protetivas a essa população, efetivando o princípio da proteção de seu melhor interesse. Concretamente, esperamos que o TikTok cumpra as medidas sem maximizar o tratamento de dados desnecessários e, caso contrário, que haja uma multa proporcional às violações aos direitos das crianças e adolescentes.
O interesse comercial de empresas não pode vir antes da proteção absoluta de crianças e adolescentes. O Idec espera uma proteção robustecida a esse público, seja: por mecanismos semelhantes sendo espontaneamente adotados por outras plataformas; por decisões da Autoridade abrangendo outras plataformas; ou pelo avanço de importantes projetos de lei (PLs) voltados a crianças e adolescentes no ambiente digital, como o PL nº 2.628/2022.