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De quem são os projetos de lei sobre IA na Câmara

Centrão lidera apresentação e relatoria de projetos sobre inteligência artificial nas comissões da Câmara — análise do Núcleo mostra os deputados envolvidos com a pauta

De quem são os projetos de lei sobre IA na Câmara

Enquanto a regulamentação sobre inteligência artificial não anda no Brasil, deputados do chamado Centrão dominam a apresentação de projetos de lei sobre o tema: são desse bloco de partidos mais da metade dos 125 projetos de lei sobre IA na Câmara dos Deputados.

Segundo análise do Núcleo, a maioria desses projetos são de parlamentares de partidos como o Partido Liberal (PL), Republicanos, União Brasil (UNIÃO), Progressistas (PP) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Desde 2015, foram apresentados 115 projetos de lei por deputados individualmente, sem considerar coligações ou bancadas, dos quais 77 (66,9%) vieram de parlamentares do Centrão. Pelo menos 10 projetos foram enviados por grupos de deputados, majoritariamente de partidos de centro-direita, direita ou centro.


É importante porque...

A esquerda abandonou o debate sobre regulação de tecnologia após fracassar com o PL 2.360/23 e o Centrão dominou o debate;

A regulação de inteligências artificiais é um dos temas mais quentes do mundo e a definição de como será feita essa regulação terá grandes consequências socioeconômicas.


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O Centrão é frequentemente definido como um bloco de partidos que busca influenciar a política nacional por meio de alianças e negociações. Além dos partidos mencionados, outros considerados parte do grupo incluem o PTB (agora fundido com o Patriota), Podemos e PSD, de acordo com pesquisa com 379 cientistas políticos brasileiros neste ano.

Mais deputados, mais projetos?

Para entender a dinâmica da proposição de projetos de lei relacionados à tecnologia, é necessário observar o tamanho das bancadas de cada partido e a quantidade de propostas enviadas por eles.

O Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro, possui a maior bancada na Câmara, com 99 deputados, o que naturalmente pode resultar em um maior número de propostas apresentadas.

Apesar de alguns partidos fora do Centrão terem bancadas expressivas, eles enviaram menos projetos. O PT, por exemplo, conta com 68 deputados, mas apresentou apenas 10 propostas. O UNIÃO, por outro lado, com 59 parlamentares, enviou 18 propostas, destacando-se ao lado do PL em número de iniciativas.

O PSOL, com 12 deputados, apresentou apenas 2 propostas, mesmo número registrado pelo PSDB, que possui 13 deputados.

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Pouca regulamentação, muita modificação

Independentemente do alinhamento político-ideológico, a maioria das propostas analisadas pelo Núcleo busca modificar leis já existentes para incluir mudanças relacionadas a inteligência artificial.

Das 125 propostas averiguadas — incluindo as de bancadas ou coligações —, metade (63) visam alterar alguma lei, de acordo com uma análise manual da reportagem, que classificou cada proposição com base no seu objetivo, seja para alterar legislações atuais ou para criar normativas gerais.

Apenas 8 projetos visam criar alguma forma de regulamentação, e 19 propõem uma normativa ou diretriz para um setor específico, envolvendo principalmente o uso de IA na administração pública.

Outros 20 PLs estabelecem garantias de direitos ou deveres, seja para usuários ou para criadores de modelos e produtos de IA. Além disso, 9 projetos estão instituindo um tipo de norma ou política, e 5 fazem apenas uma declaração.

Além da distinção de número de projetos, fica aparente que a maioria das propostas quer alterar uma lei já existente, não criar algo novo.
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Ainda sem regulação
O Brasil ainda não tem regras específica para a IA. Algumas regulamentações, como o Marco Civil da Internet (MCI) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), são usadas para regular empresas do setor.

Atualmente, o debate mais avançado está em outra casa parlamentar, o Senado, onde está paralisado na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA), liderada pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), que adiou a votação do projeto de lei 2.338/23.

Esse projeto visa garantir direitos e estabelecer deveres para empresas que produzem e comercializam IA. O presidente e o vice-presidente da CTIA são Carlos Viana (Podemos-MG) e Marcos Pontes (PL-SP).
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Devagar, quase parando

Até 30.set.2024, 45 das 125 proposições tramitavam em conjunto na Câmara, o que pode tanto acelerar quanto dificultar sua aprovação ou rejeição. Das demais, 34 aguardavam a elaboração de relatórios, 5 já estavam prontas para a pauta, 2 aguardavam autorização de despacho, e outras 2 esperavam apreciação no Senado.

Entre as matérias já prontas para a pauta, apenas uma teve inconstitucionalidade decretada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara: o PL 705/22, de autoria do deputado Hélio Lopes (UNIÃO-RJ). O projeto tratava do uso de IA na administração pública.

Apesar do entrave na CCJC, o texto recebeu parecer favorável do relator Gustavo Fruet (PDT-PR) na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).

Um relator é o parlamentar responsável por analisar uma proposta legislativa e elaborar um parecer, recomendando sua aprovação ou rejeição. Das 34 matérias sobre inteligência artificial que aguardam parecer, 26 estão sob a relatoria de deputados do UNIÃO, PL, PSD, Republicanos ou Podemos. Assim, além de serem os que mais propõem projetos, os deputados do Centrão também lideram na relatoria desses temas.

Quatro deputados disputam a posição de relator com mais matérias sobre inteligência artificial: Leonardo Gadelha (PODE-PB), Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF), Kim Kataguiri (UNIÃO-SP) e Luisa Canziani (PSD-PR). Cada um é responsável por 3 projetos.

Empacado no Senado

Pouco após o Ministério da Ciência e Tecnologia, sob o governo Bolsonaro, lançar a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) — considerada superficial por especialistas — em 2021, a Câmara aprovou o Marco Legal da IA. O PL 21/20 estabelece princípios para o desenvolvimento e uso da tecnologia no país e foi relatado por Luisa Canziani, então presidente da Frente Digital, que declarou ser essa "a prioridade" do grupo naquele momento.

Ao chegar ao Senado em 2022, o PL 21/20 começou a tramitar conjuntamente com o PL 2.338/23, de autoria do presidente da casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A tramitação conjunta significa que uma proposição foi anexada a outra do mesmo tipo e que aborda temas similares, para que ambas sejam avaliadas e votadas de forma unificada.

Os PLs 2.338/23 e 21/2020 apresentam diferenças não apenas em seu conteúdo, mas também em relação ao apoio externo ao parlamento. Como já apontado pelo Núcleo, a Frente Digital mantém uma ligação próxima com o Instituto Cidadania Digital, agora renomeado como Conselho Digital. Este think-tank se define como um facilitador na "interlocução entre o ecossistema digital e o Congresso através do secretariado-executivo da Frente Parlamentar da Economia & Cidadania Digital".

Canziani e Kataguiri integram a Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, ou Frente Digital, que reúne deputados e senadores focados em tecnologia e economia digital. Criada em 2019, o grupo tem uma ligação próxima com grandes empresas de tecnologia, como plataformas digitais, aplicativos de entrega e serviços de hospedagem, uma relação que a própria frente não faz grande esforço para esconder.

Em mai.2023, o grupo apresentou um texto alternativo ao PL 2630/20, conhecido popularmente como PL das Fake News. A proposta era considerada a alternativa mais robusta para regular redes sociais no Brasil, mas foi descartada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O novo texto da Frente Digital não conseguiu avançar e, atualmente, aguarda relatoria de Gilson Daniel (PODE-ES) na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI).

Como fizemos isso

  • No site da Câmara dos Deputados, a reportagem pesquisou pela palavra-chave "inteligência artificial" e baixou os dados de todas as proposições. Veja aqui a busca realizada.
  • A análise considerou todos os projetos em tramitação até 30.set.24.
  • Partidos que passaram por fusões ou mudanças de nomes são exibidos nos gráficos pelos seus nomes atuais.
  • Nove propostas submetidas por coligações não foram consideradas na análise.
  • A íntegra dos dados utilizados está disponível aqui.
Reportagem Sofia Schurig
Arte e gráficos Rodolfo Almeida
Edição Rodolfo Almeida e Alexandre Orrico
Sofia Schurig

Sofia Schurig

Repórter com experiência na cobertura de direitos humanos, segurança de menores e extremismo online. É também pesquisadora na SaferNet Brasil e fellow do Pulitzer Center.

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Rodolfo Almeida

Rodolfo Almeida

Rodolfo Almeida é jornalista visual. Graduado em Jornalismo pela PUC-SP e Mestre em design pela UFRJ, é membro do LabVis-UFRJ. No Núcleo, é responsável por materiais e reportagens visuais e gráficos.

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